A
GUERRA COMO FORMA DE VIDA
CAROS
COMBATENTES
“ Onde quer que existam homens há,
por um
lado, o trabalho e a organização
social e, por
outro, a negação, através de
proibições da
animalidade do homem”. Diz
Betaille.
Reunimo-nos
aqui porque nos queremos organizar socialmente, no convívio
contratualizado, ultrapassando a nossa animalidade, que muitas vezes
se manifestou na guerra ( antes
matar que ser morto).
Estamos aqui reunidos como combatentes da vitória sobre a morte,
porque ainda estamos vivos e queremos viver partilhando as diversas
mudanças que a vida tem. Se perguntarmos a qualquer Veterano da
guerra, o que fica da guerra? E ele dirá, Amizade.
Por
isso, continuamos a fazer encontros de convívio de combatentes,
continuamos a publicar bibliografia e textos sobre a guerra, da qual
somos ex-combatentes. São formas de expurgar situações que ainda
marcam o nosso inconsciente.
Todos
sabemos que fizemos uma guerra militar, como combatentes de ideais
sociais, nem sempre os mais justos. Foi uma guerra que se transformou
em violência, por não respeitar os Princípios Universais do Homem
e que foi domesticando a nossa revolta ou indignação.
Mas
falar sobre a guerra é, em primeiro lugar, falar sobre a condição
humana e as formas de organizar a vida. A guerra, como a vivemos, foi
a continuação da política pelo uso das armas. É desta guerra que
somos ex-combatentes. Ainda hoje vivenciamos várias formas de
guerra, justas ou injustas, conforme os objetivos do poder político,
enquanto organização social, estão na defesa do bem comum ou na
defesa do bem de alguns grupos ou “lobys”. É esta situação que
nos dá uma visão sobre o que é homem, porque é na guerra que
desencadeia o seu melhor e o seu pior, e, entre esse melhor e esse
pior encontramos a escala de atributos que o definem. A guerra faz
parte do seu ser e do modo como é, em cada situação. Pelo modo
como entendemos a guerra, compreendemos os ideais sociais e
individuais dessa sociedade. Desta forma cada sociedade, para se
sentir segura, ter paz que permita o progresso, cria territórios
estabelecendo o que é meu e o que é dos outros. Estabelece limites,
cria zonas de exclusão. É aqui que se estabelecem as Nações,
instituindo sistemas políticos, organizados em instituições com
poder, de que o sistema militar é um expoente. É o monopólio do
Estado na legitimação da violência. Lembram-se de, nas
brincadeiras de criança, estabelecer um risco no chão e dizer. “
se passas daqui, levas…!”
Viver
em sociedade é estabelecer padrões de comportamento, como forma de
conduzir o rio para a sua foz. São os valores, as regras que
cimentam a função de qualquer sociedade. É aqui que se domesticam
os interesses individuais em coletivos. Consequentemente estar em
guerra, não é um modo de morte, é um modo de vida. No fim de
contas, os heróis nascem na guerra e todos queremos ser heróis,
todos queremos o reconhecimento e até a gratidão dos outros. Todos
queremos ser bem-sucedidos na luta pelo cume ou ideais que a vida nos
propõe.
A
guerra ou luta por objetivos
Porém, não podemos
ter uma visão unilateral e egocêntrica, dos nossos
objectivos/finalidades individuais. É aqui que se criam as guerras
destrutivas, porque a sociedade humana, numa perspectiva ética,
esquece-se que nem tudo o que é possível é permitido. É, muitas
vezes, a ausência desta ética que dá origem a guerras, que
implicam a luta pelo poder, onde os fins justificam os meios. Muitas
vezes os objetivos do bem comum transformam-se em interesses privados
e virtudes públicas. Daqui a origem da revolta, da violência, da
guerra e, em último extremo, o terrorismo. É certo que a guerra
deixa cicatrizes. Todos experimentamos a angústia, a tristeza, o
medo, o ódio, mas também a alegria de viver e a amizade
convivencial, conforme as situações por que passamos. Mas foram e
são estas feridas e sensações que nos fazem lutar por curá-las,
por encontrar os remédios e contribuir para um amanhã, um amanhã
de liberdade e felicidade, onde o desenvolvimento, o progresso,
possam ser atingido, sempre na ilusão de encontrar os oásis porque
ansiámos. Ninguém gosta da guerra, pelo que ela destrói, mas é
fazendo a guerra que nos construímos, criamos um ego, e em que “o
mundo pula e avança”, como se diz no poema “Pedra Filosofal”,
tal como o demonstraram as duas guerras mundiais. Novos paradigmas de
vida se desenvolveram.
Não
podemos, apenas, falar da guerra militar, de que somos, felizmente,
ex-combatentes. Para lá da guerra externa e militar entre
sociedades, ou nações, há outra guerra mais fundamental, que é a
guerra, o combate que todos travamos pela nossa felicidade e
realização pessoal ou social. Todos os dias descobrimos que somos
injustiçados, que estamos revoltados. Todos os dias se manifesta na
nossa mente uma visão crítica das situações existências que
vemos no mundo. São as situações em que só uns têm direitos e
outros só deveres. São guerras de destruição étnica, que as
novas armas permitem. É a pobreza e miséria que grassa no mundo e
de que nos condoemos. É a falta de assistência na saúde ou na
educação, que não temos. É aqui que temos de continuar
combatentes. Só há ex-combatentes porque algo acabou. Ora a vida
pessoal ou social, não está realizada, realiza-se no dia-a-dia. A
vida é uma dialética constante. Nada se perde, mas antes tudo se
transforma. Há sempre uma bandeira a içar, como dizia o nosso amigo
Jorge Torrão. Içar uma bandeira é querer ter um guia que
justifique o nosso comportamento, a nossa forma de vida. É isso que
tem caraterizado a nossa vida desde que nascemos. Fomos crianças,
adolescentes, adultos e agora, dizem, que estamos na idade da
aposentação. Tudo na vida é composto de mudanças, como dia o
poeta. Em cada ciclo da vida fomos idealizando bandeira para
justificar a nossa acção, ora na religião, ora na política, na
arte, na ciência, no desporto, etc. Somos criadores de símbolos ou
modelos a partir dos quais conduzimos as nossas acções ou forma de
vida. Porém,
nem sempre estes ideais são levados à prática, ou melhor, a
prática sociopolítica, inverte muitos destes ideais, por interesses
privados. É aqui que devemos estar alerta: lutar contra dogmatismos
ou visões unilaterais da vida.
Descansando
na guerra
Concluindo,
que ninguém deixe de ser combatente, apesar de, muitas vezes, nos
instalarmos, periodicamente, em portos de abrigo. Estes devem ser
factor de novas energias para continuar a nossa viagem, cujo destino
desconhecemos. Nunca aceitemos ser ex-combatentes da vida. A luta,
por ideais fará de nós combatentes até à morte física. Sejamos
cidadãos conscientes, que se guiam por uma ética de cidadania,
lutando pela liberdade, a justiça e a equidade, numa sociedade mais
equilibrada. Só assim a liberdade e responsabilidade são valores
que contribuem para dignidade humana.
Ser
homem é estar em guerra na busca da paz ou realização pessoal ou
social, é proporcionar ao coletivo a realização plena dos seus
ideais, numa base da ética da dignidade humana.
Covilhã, 10 de
Março de 2012
Manuel Bento
Fernandes
NB)-
Texto
lido no almoço mensal do ex-combatentes da Covilhã e publicado no
jornal da Liga dos Combatentes da Covilhã, “O Combatente da
Estrela”.
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