Homenagem

Aos combatentes açorianos e continentais que souberam, apesar das circunstâncias, defender a responsabilidade social básica de todos os cidadãos e preservar a sobrevivência da sua sociedade e os valores que a caracterizam.

Saibamos ser dignos do que fizemos para dizermos - MISSÃO CUMPRIDA

FERNANDES - Texto lido no almoço mensal do ex-combatentes da Covilhã e publicado no jornal da Liga dos Combatentes da Covilhã, “O Combatente da Estrela”.

A GUERRA COMO FORMA DE VIDA
CAROS COMBATENTES
Onde quer que existam homens há, por um
lado, o trabalho e a organização social e, por
outro, a negação, através de proibições da
animalidade do homem”. Diz Betaille.

Reunimo-nos aqui porque nos queremos organizar socialmente, no convívio contratualizado, ultrapassando a nossa animalidade, que muitas vezes se manifestou na guerra ( antes matar que ser morto). Estamos aqui reunidos como combatentes da vitória sobre a morte, porque ainda estamos vivos e queremos viver partilhando as diversas mudanças que a vida tem. Se perguntarmos a qualquer Veterano da guerra, o que fica da guerra? E ele dirá, Amizade. Por isso, continuamos a fazer encontros de convívio de combatentes, continuamos a publicar bibliografia e textos sobre a guerra, da qual somos ex-combatentes. São formas de expurgar situações que ainda marcam o nosso inconsciente.
Todos sabemos que fizemos uma guerra militar, como combatentes de ideais sociais, nem sempre os mais justos. Foi uma guerra que se transformou em violência, por não respeitar os Princípios Universais do Homem e que foi domesticando a nossa revolta ou indignação.
Mas falar sobre a guerra é, em primeiro lugar, falar sobre a condição humana e as formas de organizar a vida. A guerra, como a vivemos, foi a continuação da política pelo uso das armas. É desta guerra que somos ex-combatentes. Ainda hoje vivenciamos várias formas de guerra, justas ou injustas, conforme os objetivos do poder político, enquanto organização social, estão na defesa do bem comum ou na defesa do bem de alguns grupos ou “lobys”. É esta situação que nos dá uma visão sobre o que é homem, porque é na guerra que desencadeia o seu melhor e o seu pior, e, entre esse melhor e esse pior encontramos a escala de atributos que o definem. A guerra faz parte do seu ser e do modo como é, em cada situação. Pelo modo como entendemos a guerra, compreendemos os ideais sociais e individuais dessa sociedade. Desta forma cada sociedade, para se sentir segura, ter paz que permita o progresso, cria territórios estabelecendo o que é meu e o que é dos outros. Estabelece limites, cria zonas de exclusão. É aqui que se estabelecem as Nações, instituindo sistemas políticos, organizados em instituições com poder, de que o sistema militar é um expoente. É o monopólio do Estado na legitimação da violência. Lembram-se de, nas brincadeiras de criança, estabelecer um risco no chão e dizer. “ se passas daqui, levas…!”
Viver em sociedade é estabelecer padrões de comportamento, como forma de conduzir o rio para a sua foz. São os valores, as regras que cimentam a função de qualquer sociedade. É aqui que se domesticam os interesses individuais em coletivos. Consequentemente estar em guerra, não é um modo de morte, é um modo de vida. No fim de contas, os heróis nascem na guerra e todos queremos ser heróis, todos queremos o reconhecimento e até a gratidão dos outros. Todos queremos ser bem-sucedidos na luta pelo cume ou ideais que a vida nos propõe.
A guerra ou luta por objetivos
Porém, não podemos ter uma visão unilateral e egocêntrica, dos nossos objectivos/finalidades individuais. É aqui que se criam as guerras destrutivas, porque a sociedade humana, numa perspectiva ética, esquece-se que nem tudo o que é possível é permitido. É, muitas vezes, a ausência desta ética que dá origem a guerras, que implicam a luta pelo poder, onde os fins justificam os meios. Muitas vezes os objetivos do bem comum transformam-se em interesses privados e virtudes públicas. Daqui a origem da revolta, da violência, da guerra e, em último extremo, o terrorismo. É certo que a guerra deixa cicatrizes. Todos experimentamos a angústia, a tristeza, o medo, o ódio, mas também a alegria de viver e a amizade convivencial, conforme as situações por que passamos. Mas foram e são estas feridas e sensações que nos fazem lutar por curá-las, por encontrar os remédios e contribuir para um amanhã, um amanhã de liberdade e felicidade, onde o desenvolvimento, o progresso, possam ser atingido, sempre na ilusão de encontrar os oásis porque ansiámos. Ninguém gosta da guerra, pelo que ela destrói, mas é fazendo a guerra que nos construímos, criamos um ego, e em que “o mundo pula e avança”, como se diz no poema “Pedra Filosofal”, tal como o demonstraram as duas guerras mundiais. Novos paradigmas de vida se desenvolveram.
Não podemos, apenas, falar da guerra militar, de que somos, felizmente, ex-combatentes. Para lá da guerra externa e militar entre sociedades, ou nações, há outra guerra mais fundamental, que é a guerra, o combate que todos travamos pela nossa felicidade e realização pessoal ou social. Todos os dias descobrimos que somos injustiçados, que estamos revoltados. Todos os dias se manifesta na nossa mente uma visão crítica das situações existências que vemos no mundo. São as situações em que só uns têm direitos e outros só deveres. São guerras de destruição étnica, que as novas armas permitem. É a pobreza e miséria que grassa no mundo e de que nos condoemos. É a falta de assistência na saúde ou na educação, que não temos. É aqui que temos de continuar combatentes. Só há ex-combatentes porque algo acabou. Ora a vida pessoal ou social, não está realizada, realiza-se no dia-a-dia. A vida é uma dialética constante. Nada se perde, mas antes tudo se transforma. Há sempre uma bandeira a içar, como dizia o nosso amigo Jorge Torrão. Içar uma bandeira é querer ter um guia que justifique o nosso comportamento, a nossa forma de vida. É isso que tem caraterizado a nossa vida desde que nascemos. Fomos crianças, adolescentes, adultos e agora, dizem, que estamos na idade da aposentação. Tudo na vida é composto de mudanças, como dia o poeta. Em cada ciclo da vida fomos idealizando bandeira para justificar a nossa acção, ora na religião, ora na política, na arte, na ciência, no desporto, etc. Somos criadores de símbolos ou modelos a partir dos quais conduzimos as nossas acções ou forma de vida. Porém, nem sempre estes ideais são levados à prática, ou melhor, a prática sociopolítica, inverte muitos destes ideais, por interesses privados. É aqui que devemos estar alerta: lutar contra dogmatismos ou visões unilaterais da vida.

Descansando na guerra
Concluindo, que ninguém deixe de ser combatente, apesar de, muitas vezes, nos instalarmos, periodicamente, em portos de abrigo. Estes devem ser factor de novas energias para continuar a nossa viagem, cujo destino desconhecemos. Nunca aceitemos ser ex-combatentes da vida. A luta, por ideais fará de nós combatentes até à morte física. Sejamos cidadãos conscientes, que se guiam por uma ética de cidadania, lutando pela liberdade, a justiça e a equidade, numa sociedade mais equilibrada. Só assim a liberdade e responsabilidade são valores que contribuem para dignidade humana.
Ser homem é estar em guerra na busca da paz ou realização pessoal ou social, é proporcionar ao coletivo a realização plena dos seus ideais, numa base da ética da dignidade humana.

Covilhã, 10 de Março de 2012
Manuel Bento Fernandes

NB)- Texto lido no almoço mensal do ex-combatentes da Covilhã e publicado no jornal da Liga dos Combatentes da Covilhã, “O Combatente da Estrela”.

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